A cultura gauchesca, expressão histórica e cultural enraizada no Pampa, transcendeu fronteiras geográficas e temporais, persistindo por quase quatro séculos. Essa rica tradição interage continuamente com outras manifestações culturais, adaptando-se às transformações socioeconômicas e tecnológicas. Como resume o coletivo “Tambo do Bando”, ela mantém “o pé no galpão (territorialidade, pertencimento, identidade) e a cabeça na galáxia (atualidade, universalidade)”.
Elementos como o chimarrão, churrasco, lidas campeiras e a rica musicalidade fazem parte do cotidiano dos sul-rio-grandenses, seja nos campos, cidades ou até mesmo em acampamentos do MST. A cultura gauchesca pulsa na vida do povo, manifestando-se através da oralidade, da arte e de diversas outras formas de expressão. Uma vasta gama de artistas, desde Tabajara Ruas a Yamandu Costa, demonstra a vitalidade e a diversidade dessa cultura.
Entendendo a importância histórica e a popularidade da cultura gaúcha, defende-se que os partidos de esquerda devem valorizar e promover sua visibilidade dentro da diversidade cultural do Rio Grande do Sul. Para Fischer (2016), ecoando Walter Benjamin, é crucial “constantemente arrancar a tradição das mãos do conservadorismo”, referindo-se ao tradicionalismo, movimento que, embora abrace a cultura gaúcha, também carrega consigo valores conservadores.
A cultura gauchesca, em sua gênese colonial e patriarcal, apresenta traços conservadores e até discriminatórios. No entanto, como demonstra Leal (2021), centrada no masculino: “o gaúcho”. Cabe aos atores da cena cultural gaúcha questionar e combater o machismo, o racismo e outras formas de discriminação. Iniciativas como o festival “Peitaço da Composição Regional”, organizado por mulheres, exemplificam esse esforço.
O tradicionalismo, com suas bases conservadoras, exerce forte influência na sociedade gaúcha. Sua credibilidade, capilaridade e apoio das classes dominantes lhe garantem penetração nas classes populares. Em muitas comunidades carentes, os CTGs (Centros de Tradições Gaúchas) são os únicos espaços de convivência e organização. Contudo, o tradicionalismo não é monolítico e apresenta contradições que podem ser exploradas para promover uma visão mais progressista da cultura gaúcha.
Transgressões como as de Berenice Azambuja, que desafiou normas de gênero nos CTGs, e iniciativas como a “gira solidária” entre o CTG Guardiões do Rio Grande e integrantes de religiões afro-gaúchas demonstram a existência de tensões dentro do movimento. É fundamental dialogar com os sujeitos dos CTGs que questionam seus princípios, abrindo caminhos para a transformação. O Acampamento Farroupilha de Porto Alegre, espaço plural com diversas manifestações culturais, é um exemplo de como a cultura gaúcha pode ser reinventada.
Em suma, promover a cultura gauchesca em sua plenitude e diversidade, distanciando-a de interpretações conservadoras, é um desafio que deve ser abraçado pela esquerda. Através do diálogo, da valorização das expressões populares e do estímulo à reflexão crítica, é possível construir uma cultura gaúcha mais inclusiva e representativa da sociedade sul-rio-grandense.