A proposta de ampliar o tempo de internação para adolescentes que cumprem medidas socioeducativas reacende o debate sobre a eficácia do sistema e seus impactos na juventude, especialmente a negra e periférica. A discussão, segundo especialistas, não pode ser reduzida a uma simples equação entre crime e punição, sob o risco de perpetuar desigualdades históricas já presentes no sistema.
Dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) revelam que o sistema não é neutro. Entre 2024 e 2025, o número de adolescentes sob medidas socioeducativas cresceu 8,2%, com 72,9% sendo jovens pretos ou pardos. Além disso, 27% cumprem medida por tráfico de drogas, atividade considerada uma das piores formas de trabalho infantil pela OIT.
O Projeto de Lei nº 1.473/2025 propõe estender o tempo máximo de internação e reconfigurar princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As mudanças incluem a supressão do princípio da brevidade, aumento do prazo máximo de internação e alterações na liberação compulsória aos 21 anos. “Em termos práticos, o projeto propõe manter adolescentes privados de liberdade durante toda a adolescência e parte da juventude”, alerta Paola Bettamio, doutora em Direito e assessora técnica da Coalizão pela Socioeducação.
A proposta contraria normas constitucionais e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Viola o art. 227 da Constituição, que exige brevidade e excepcionalidade em medidas privativas de liberdade, e tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. O Comitê da ONU já se manifestou, afirmando que aumentar prazos de privação de liberdade é incompatível com a reintegração.
Estudos apontam que o prolongamento da internação não reduz a violência, mas aumenta a reincidência, a estigmatização e os danos ao desenvolvimento psicossocial. O Levantamento Nacional do Sinase 2024 revela que muitos atos infracionais estão ligados à sobrevivência em contextos de vulnerabilidade, com 81% dos adolescentes sem atividades laborais remuneradas e muitos sem acesso à formação profissional. O custo de manter um adolescente internado ultrapassa R$ 9 mil mensais, enquanto áreas como educação e assistência social permanecem subfinanciadas.
A disputa em torno da socioeducação transcende a esfera jurídica, sendo também uma batalha simbólica. Projetos como o PL 1.473/2025 buscam deslocar o sentido pedagógico para a repressão, transformando adolescentes em sujeitos de risco a serem isolados, em vez de cidadãos em desenvolvimento a serem apoiados. O futuro da socioeducação dependerá de qual visão prevalecerá: a da oportunidade e reintegração ou a do confinamento e exclusão.