Os Judas da democracia querem anistia

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Os Judas da democracia querem anistia
Os Judas da democracia querem anistia

A direita brasileira sempre foi firme ao declarar que “bandido bom é bandido morto”. Disso ela não abria mão. A moral era inflexível. A mão, pesada. O discurso, direto: tolerância zero com o crime. Mas, como em todo moralismo mal calibrado, a régua muda de tamanho conforme a conveniência. E agora, com a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro tramitando no Congresso, vemos esse velho discurso ruir na prática. 

Os mesmos que pedem cadeia para o MST por ocupação ou para sindicalistas que bloqueiam vias, agora oferecem perdão a quem quebrou as sedes dos Três Poderes. A transgressão muda de nome quando o infrator é “da turma”. Terrorista, vira “manifestante”; golpista, “cidadão inconformado”. A balança da justiça perde o prumo, mas ganha aplausos, desde que pese só para um lado.

O projeto de anistia é mais do que uma manobra legislativa. É um testamento político. Nele, está escrita a verdadeira doutrina da nova direita brasileira: o rigor serve aos adversários; a indulgência, aos aliados. A traição à democracia é rebatizada de patriotismo. E o ataque às instituições vira liberdade de expressão; quando convém.

Mais de 260 deputados assinaram o pedido de urgência para votação da proposta. Desses, 146 são da base do governo. A mesma base que, em 2022, se elegeu dizendo que lutaria contra o autoritarismo e protegeria o Estado de Direito. Hoje, flerta com a impunidade como quem troca de gravata. Trocam a coerência por conveniência, a Constituição por likes de redes sociais.

Não é preciso forçar a analogia. Estamos na Semana Santa, e as figuras se encaixam com perfeição desconcertante. Há aqueles que beijam a democracia em público, mas a traem no voto secreto do plenário. Não o fazem por trinta moedas, fazem por emendas, alianças, sobrevivência política. O resultado, no entanto, é o mesmo: a democracia sangra, enquanto os autores do golpe caminham rumo à canonização legislativa.

Chamar a anistia de “pacificação nacional” é mais um insulto do que um argumento. Paz sem justiça é só silêncio. E silêncio, neste caso, é cumplicidade. Se anistiar golpistas é agora uma demonstração de civilidade, o que será considerado radicalismo? Cumprir a Constituição?

A história brasileira está cheia de anistias oportunistas. Nenhuma trouxe paz. Todas trouxeram reincidência. Não há reconciliação possível com quem jamais se arrependeu. Não há democracia sólida onde a memória é tratada como obstáculo e os fatos como inconvenientes.

Se o Congresso quiser se acovardar, que o faça às claras, com nome, sobrenome e CPF no painel eletrônico. Mas que o Supremo Tribunal Federal, a sociedade civil, os movimentos democráticos e cada cidadão que ainda acredita no peso da urna e na força da lei, façam a sua parte. O Brasil não pode virar exemplo de como golpistas são premiados enquanto professores, sindicalistas e trabalhadores são tratados como baderneiros.

Não é sobre perdão. É sobre princípio. E princípio não se negocia — se defende.

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