Federação Partidária: a jabuticaba que adoçou a cláusula de barreira

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Federação Partidária: a jabuticaba que adoçou a cláusula de barreira
Federação Partidária: a jabuticaba que adoçou a cláusula de barreira

Criadas para conter a fragmentação, as federações viraram abrigo de conveniência para partidos ameaçados pela extinção, e uniram até adversários locais sob o mesmo guarda-chuva.


O sistema político brasileiro sempre foi criativo. Onde a regra aperta, a engenharia dos caciques do congresso afrouxa. E onde a lei busca moralizar, o jogo político responde com uma nova manobra. Foi assim com as coligações, que se tornaram um circo de incoerências, e agora é assim com as federações partidárias, que surgem como uma resposta “institucionalizada” à cláusula de barreira, ou, sejamos mais honestos, como o jeitinho de não desaparecer.


Desde 2021, a legislação permite que partidos se agrupem em federações, atuando como se fossem uma única legenda por pelo menos quatro anos. Parece bonito no papel, a promessa de fortalecer a governabilidade, evitar a fragmentação do Congresso e obrigar partidos a assumirem compromissos programáticos comuns. Só parece.


A prática revela algo mais pragmático, e previsível, partidos pequenos, pressionados pelo risco de extinção política, buscam nas federações uma forma de sobrevivência. E não me refiro aqui à nobre sobrevivência das ideias ou das causas, falo da sobrevivência de tempo de TV, fundo partidário e um lugar no balcão de negócios eleitorais.


A cláusula de barreira, que exige desempenho mínimo nas urnas para garantir acesso ao fundo e à propaganda, deveria ser um mecanismo de depuração do sistema. Em 2026, por exemplo, só terão acesso os partidos que atingirem 2% dos votos válidos em pelo menos nove estados ou elegerem 11 deputados federais. Uma regra clara e objetiva, que pune quem não tem voto. Mas aí entra a tal federação, se você não consegue sozinho, junte-se a alguém. Nem precisa gostar muito, basta assinar o contrato.


Foi o que fizeram PV e PCdoB ao se abrigarem sob o guarda-chuva do PT. O que fizeram Rede e PSOL, numa aliança que, convenhamos, parece mais retórica do que prática. Cidadania e PSDB também embarcaram, formando um núcleo tucano ampliado com traços centristas e um quê de nostalgia dos tempos de ouro da social-democracia. E agora, na marcha dos elefantes, foi aprovada a federação União Progressista, que une União Brasil e Progressistas. A nova federação já nasce como a maior força da Câmara dos Deputados, provando que até os gigantes querem um colo quando o jogo eleitoral aperta.


Essa lógica federativa atinge também os municípios, onde alianças nacionais podem gerar constrangimentos políticos, e até incoerências gritantes. Aqui em Ponta Grossa, por exemplo, a prefeita Elizabeth Schmidt (União Brasil) estará federada com ninguém menos que sua principal adversária nas duas últimas eleições, a deputada estadual Mabel Canto (Progressistas). Unidas no papel, mas rivais nas urnas, ambas representarão a mesma federação no cenário político local. O que deveria ser um esforço de unidade programática se transforma, na prática, em uma convivência forçada entre projetos que se enfrentaram duramente. Se isso não evidencia o descolamento entre o discurso das federações e a realidade política, difícil saber o que mais evidenciaria.


No horizonte, Republicanos e MDB negociam a formação de uma federação que também incluiria o PSD. Se confirmada, essa união se tornará um bloco político de enorme peso institucional, e dará um novo redesenho ao Congresso Nacional.
Hoje, a configuração da Câmara dos Deputados mostra o tamanho real das forças partidárias e federadas, o PL lidera isolado com 99 deputados. A Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) soma 81. A União Progressista, com União Brasil e PP somados, já conta com 106 cadeiras. PSD e MDB têm, cada um, 42 deputados. Republicanos soma 40. Outras federações menores, como PSDB-Cidadania (18 deputados) e PSOL-Rede (14), tentam manter sua relevância política no fio da cláusula.


Se a federação entre MDB, PSD e Republicanos for aprovada, o jogo muda mais uma vez, esse novo bloco se tornará o maior da Câmara, com 124 deputados, seguido pela União Progressista com 106, e pelo PL com 99. Ao todo, cinco federações, incluindo PSDB-Cidadania, PSOL-Rede e a já existente Brasil da Esperança, concentrariam cerca de 343 deputados, quase 67% da Câmara. Isso sem contar os partidos menores ainda soltos no tabuleiro.


A pergunta que fica é, estamos moralizando o sistema ou sofisticando o improviso?
Porque, sejamos francos, há um abismo entre um projeto coletivo de país e uma junção de siglas feita sob a lógica da matemática eleitoral. A federação deveria ser espaço de afinidade ideológica e coerência programática. Mas quando ela serve apenas para inflar bancada e driblar a cláusula de barreira, vira uma farsa legalizada.


O Brasil reduziu de 35 para 24 partidos registrados no TSE. É avanço. Mas não dá pra dizer que foi mérito das ideias. Foi medo da morte política. E medo, quando é o único elo de uma aliança, produz monstros, ou federações.
No fim, talvez sejamos mesmo um país aonde as soluções chegam embaladas como reforma, mas entregues como gambiarra. E nesse caso, a federação deixa de ser remédio contra a pulverização e vira anestesia para a irrelevância.

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