Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, concedida em seu reduto em Lauca Eñe, Cochabamba, Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, avaliou o cenário político do país após as recentes eleições e teceu duras críticas a seus opositores, tanto internos quanto externos. Mesmo sem ser candidato, Morales se manteve no centro do debate político, e o resultado das urnas refletiu sua influência.
A eleição presidencial boliviana evidenciou uma forte polarização. Um número recorde de votos nulos, cerca de 20%, demonstra, segundo analistas, a força de Morales, mesmo fora da disputa direta. A Justiça boliviana o impediu de concorrer a um quarto mandato, alegando que o limite constitucional já havia sido atingido.
Morales acusa seu sucessor e ex-aliado, o presidente Luís Arce, de traição e de orquestrar um golpe para impedir sua candidatura. A disputa pelo controle do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Morales, culminou com sua saída da legenda e o lançamento de uma campanha pelo voto nulo. O resultado abriu caminho para um segundo turno entre dois candidatos de direita.
Isolado em um prédio cercado por apoiadores, Morales concedeu a entrevista ao Brasil de Fato. Ele enfrenta um mandado de prisão por tráfico de menores, acusação que nega veementemente. Em meio a um ambiente de tensão política, o ex-presidente avalia o futuro da Bolívia e o papel da esquerda no país.
“Não consigo entender como a ambição leva à traição, traição por ambição. É o que estamos vivendo aqui”, desabafou Morales sobre a relação com seu antigo aliado, o atual presidente Luis Arce. Ele relembra o período de exílio durante o golpe de Estado e o subsequente confinamento após a eleição de Arce, demonstrando profunda decepção com o rumo político do país.
Morales se defende das acusações de assédio sexual, classificando-as como uma tentativa de difamação. “Durante o golpe de Estado investigaram minha vida por um ano inteiro por corrupção e não encontraram nada”, afirmou. Ele alega que as acusações foram fabricadas por seus opositores para prejudicá-lo politicamente.
Ao comentar sobre o expressivo número de votos nulos, Morales considera o resultado uma vitória pessoal e um castigo à “velha direita e à nova direita”. Ele argumenta que, se tivesse tido mais tempo de campanha, o voto nulo teria alcançado o primeiro lugar. “Esse movimento que dirijo continua sendo o maior da Bolívia e ele não está dividido”, enfatizou.
Questionado sobre a derrota da esquerda na Bolívia, Morales aponta para a guinada à direita do governo Arce. “Me afastei do Lucho porque ele governa com a direita”, declarou. Ele se apresenta como a verdadeira liderança da esquerda boliviana, afirmando que o MAS foi “roubado” de seus militantes.
Olhando para o futuro, Morales expressa preocupação com a possibilidade de perseguição política e prisão. Ele relembra casos de outros líderes de esquerda na América Latina, como Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e Rafael Correa, que também enfrentaram processos judiciais. “Querem fazer o mesmo comigo, mas não podem”, afirmou.
Morales finaliza a entrevista reafirmando seu compromisso com a Bolívia e sua disposição para defender as conquistas sociais de seus governos. “Lembre-se: fui o primeiro índio a fechar bases militares, a expulsar os gringos, a nacionalizar recursos estratégicos. Isso, os Estados Unidos não perdoam”, concluiu, reiterando sua visão sobre as forças que atuam contra ele.