A Igreja Católica é conhecida por suas certezas. Costuma dizer sim ou não com firmeza, seguir regras antigas, ensinar doutrinas com clareza. Mas, em 2013, o mundo conheceu um Papa diferente. Um homem simples, que escolheu morar num quarto pequeno em vez de um palácio. Que trocou discursos duros por palavras de carinho. Que preferiu escutar a mandar. Francisco chegou falando pouco, mas dizendo muito com os gestos. E entre o sim e o não, ele escolheu o acolhimento.
Francisco não foi Papa apenas de documentos e exortações. Foi o Papa dos gestos. Enquanto muitos esperavam dele novas respostas sobre velhas perguntas, ele ofereceu novas perguntas para velhas certezas. E isso, para muita gente, foi mais perturbador do que qualquer heresia.
Em 2018, fez a única alteração escrita no Catecismo da Igreja durante seu pontificado: declarou inadmissível a pena de morte, em qualquer circunstância. Um gesto claro, definitivo. Mas todas as outras mudanças que promoveu não precisaram da tinta da caneta, bastaram o tom, a escuta, o olhar que não julga. Ele não mudou a doutrina sobre famílias, gênero ou sexualidade. Apenas mudou a forma de tratar quem a doutrina havia empurrado para fora.
Entre os que queriam rigidez e os que exigiam ruptura, Francisco escolheu o meio mais difícil: a ternura. Foi mal compreendido pela esquerda e atacado pela extrema-direita. Foi chamado de comunista por defender pobres e de fraco por não excomungar pecadores. Foi acusado de relativista por escutar. E de leniente por não bradar.
Mas ele sabia que a vida real não cabe em catecismos. Sabia que há mais evangelho no olhar de uma avó que acolhe o neto gay do que em uma fila de confessionários buscando absolvição sem conversão. Sabia que misericórdia sem justiça é conivência, mas justiça sem misericórdia é crueldade com batina.
Ao dizer “Quem sou eu para julgar?”, Francisco não autorizou tudo. Apenas lembrou que nem tudo deve ser condenado por nós. E talvez, nesse ponto, ele tenha feito o que a Igreja mais precisava: devolver o silêncio ao sagrado e o sagrado à convivência.
Com ele, a Igreja deixou de ser fortaleza para voltar a ser casa. Deixou de ser tribunal e se lembrou de que é, antes de tudo, mãe. Mãe que não exige carteirinha para amar. Que não pergunta “onde você estava?” quando vê o filho voltar. Que não fala em dogma com quem está sangrando. Que não bate a porta no diferente, mas a abre para o reencontro.
Agora, enquanto cardeais ajeitam seus paramentos para o conclave, o mundo inteiro ajusta sua saudade. Os que o criticaram dirão que faltou firmeza. Os que o amaram saberão que ali sobrou coragem.
Francisco voltou ao Pai. Mas o gesto que o definiu, abrir os braços sem pedir currículo, permanece. Ele foi um Papa do tempo presente, para um mundo ferido e cansado. E no fim, quando todos queriam que escolhesse um lado, ele nos ensinou que o caminho de Cristo é justamente esse: entre o sim e o não, o amor.