Desafios e oportunidades para o sistema de devolução de tributos a turistas
Análise das implicações do sistema Tax Free no Brasil e suas particularidades.
Implicações fiscais do Tax Free no Brasil
A implementação do sistema Tax Free no Brasil, embora autorizada pelo Confaz desde 2023 e abordada recentemente no âmbito da reforma tributária, ainda não saiu do papel. A proposta é sedutora à primeira vista: devolver tributos para turistas estrangeiros com estadia inferior a 90 dias no país, estimulando o consumo e fomentando o turismo internacional. No entanto, a inspiração no modelo europeu levanta sérias dúvidas sobre sua aplicabilidade na realidade brasileira.
Modelo europeu versus realidade brasileira
É inegável que o sistema de devolução de impostos ao turista funciona muito bem em países como França, Espanha e Japão. No entanto, importar soluções de nações desenvolvidas sem considerar as peculiaridades econômicas, culturais e sociais do Brasil pode transformar uma boa ideia em uma política ineficaz. Diferente da Europa, onde turistas buscam produtos nacionais, como perfumes franceses ou roupas italianas, o Brasil dificilmente atrai estrangeiros em busca de produtos de luxo importados. Nenhum europeu vem ao país com o objetivo de comprar uma bolsa italiana. Não faz sentido, portanto, devolver tributos por algo que nem sequer foi produzido aqui.
Um modelo adaptado para o Brasil
O Brasil precisa de um modelo de Tax Free com a sua cara, voltado para a valorização da produção nacional. A Argentina pode servir de exemplo: o país vizinho adotou o sistema de devolução de impostos exclusivamente para produtos fabricados localmente, com destaque para a isenção do IVA de 21%. Lá, as lojas que vendem apenas itens nacionais exibem a placa “Tax Free” e o processo funciona de maneira similar ao europeu. Esse modelo, além de fomentar o turismo, fortalece a indústria interna, o que faz mais sentido em países em desenvolvimento. A medida cria estímulos à produção local e estabelece um ciclo virtuoso de geração de empregos e competitividade para o setor industrial.
Desafios da implementação
Apesar de os dados da Fecomércio apontarem que a adoção do Tax Free poderia injetar mais de R$ 2 bilhões na economia brasileira, é preciso ponderar. A devolução do ICMS ou do futuro IBS, fusão do ICMS com o ISS, representa uma forma de evasão fiscal se aplicada indiscriminadamente. Ainda não há qualquer norma que estabeleça como será feito o credenciamento das lojas, tampouco qual será o modelo de devolução ou o tipo de formulário a ser utilizado. Países europeus transferiram essa função a empresas especializadas, como a Global Blue ou a Planet. No Brasil, nada disso foi regulamentado até o momento.
Controle e prevenção de fraudes
Além disso, o país deve se preparar para eventuais tentativas de uso fraudulento do sistema. Na Europa, brasileiros com dupla cidadania, por exemplo, já burlaram o sistema ao apresentar passaportes diferentes para compras e embarque. Por isso, mecanismos de controle são indispensáveis. Em Portugal, a validação alfandegária só acontece após a emissão do cartão de embarque e a conferência dos produtos ou dos formulários digitais. O Brasil precisará seguir essa linha, criando barreiras tecnológicas e jurídicas para garantir a seriedade do sistema.
Embora o Tax Free represente, em teoria, perda de arrecadação para os estados, é possível argumentar que o aumento do turismo internacional poderá compensar esse impacto. A geração de empregos e o fortalecimento de outros setores econômicos são benefícios reais e desejáveis. Mas isso só acontecerá se o programa for desenhado com inteligência, voltado para a realidade do nosso país, e não para replicar soluções prontas de países com contextos completamente distintos.
Portanto, é hora de parar de mirar apenas nos modelos europeus e adaptar a política fiscal às nossas possibilidades. Um Tax Free que favoreça produtos brasileiros, com controle rigoroso e regulamentação clara, pode ser uma alavanca importante para o crescimento do turismo e da indústria nacional.