O problema nunca é o número. É o desconforto que ele provoca.

Recentemente saiu uma pesquisa do Instituto IRG revelando que a prefeita Elizabeth Schmidt tem hoje 73% de aprovação popular em Ponta Grossa. O levantamento foi realizado com moradores de regiões distintas da cidade, abrangendo centro, bairros e periferia, e traz um recorte estatístico do momento vivido pela gestão municipal.


Como de costume, a divulgação dos números provocou reações imediatas nas redes sociais, esse palco em que dados muitas vezes valem menos do que versões. Entre os comentários mais compartilhados, um em especial chamou atenção: “Foi feita só com os comissionados?”
A frase, embutida de ironia, não é nova. Trata-se de uma estratégia antiga, mas sempre reciclada: quando o dado contraria o desejo, desqualifica-se a fonte.


Antes de debater intenções, vale recapitular o básico. Uma pesquisa de opinião pública não é adivinhação, nem torcida, nem previsão de futuro. É uma fotografia estatística do presente, que tenta, por meio de amostragem, representar o que a população pensa naquele momento.


Institutos como o IRG costumam aplicar coletas multicanais: entrevistas presenciais, ligações telefônicas, questionários por WhatsApp, QR code, URA eletrônica, entre outros. A diversidade de métodos tem um objetivo claro: evitar o viés de acesso e garantir que os entrevistados reflitam a pluralidade social da cidade.


O processo segue três pilares principais: a amostra proporcional, que considera idade, gênero, escolaridade, região e renda; a margem de erro, geralmente entre 2% e 4%, indicando a variação possível para mais ou para menos; e o intervalo de confiança, normalmente de 95%, ou seja, alta probabilidade de que o resultado reflita a percepção geral da população.


Portanto, é possível, e até provável, que a amostra contenha um ou outro comissionado. Assim como conterá professores, comerciantes, aposentados, donas de casa, estudantes, operários e desempregados. O que importa não é a identidade de quem respondeu, mas se os perfis foram proporcionalmente equilibrados para representar a cidade como um todo.


E é nesse ponto que a técnica cede espaço à política. É quando a leitura dos dados começa a ser disputada por versões.
O problema nunca é o número. É o desconforto que ele provoca. Quando uma pesquisa revela um dado que favorece o próprio grupo político, ela vira manchete, argumento e até hashtag. Mas se o dado for favorável ao adversário, aí a pesquisa passa a ser “comprada”, “feita entre os amigos” ou “só com cargo comissionado”.


É o velho jogo da narrativa sobre a realidade. Porque, na política, vale menos o que é e mais o que se consegue contar.
Só que há um limite. Dados resistem melhor ao tempo do que versões. E uma aprovação de 73% em uma cidade complexa como Ponta Grossa não surge do nada. Pode ter influência de obras, de entregas, de comunicação eficiente, de comparação com gestões passadas ou até de rejeição aos opositores. Mas ela existe. É um dado. E merece ser tratado com seriedade, mesmo por quem gostaria de ver outro cenário.


A frase “entrevistaram só os comissionados?” seria até razoável se viesse de um analista técnico, com base em alguma suspeita metodológica concreta. Mas quando ela vem de quem militou intensamente em campanha derrotada e hoje faz oposição sistemática, a crítica escorrega na hipocrisia.


É fácil criticar os cargos dos outros. Difícil é admitir que, se o jogo político fosse outro, o crachá seria seu. Essa seletividade moral fragiliza o debate público. Porque transforma toda análise em torcida, toda pesquisa em panfleto e toda crítica em ressentimento. E quando isso acontece, a política local vira um espelho distorcido, onde cada um só reconhece o erro no reflexo alheio e se recusa a ajustar a própria lente.


Diante de uma pesquisa que aponta ampla aprovação popular, a pergunta certa não é “quem respondeu?”, nem “onde foi feita?”. A pergunta certa é: por que esse número incomoda tanto? E mais: o que a oposição fará com esse dado além de tentar desmenti-lo?
Porque, no fim, quem faz política de verdade encara os dados. Aprende com eles. E ajusta a rota. Já quem só faz barulho segue tropeçando na própria narrativa.

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