Plano Diretor de Ponta Grossa: quando o que deveria guiar começa a travar

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Plano Diretor de Ponta Grossa: quando o que deveria guiar começa a travar
Plano Diretor de Ponta Grossa: quando o que deveria guiar começa a travar

Todo município precisa de regras para crescer de forma organizada. Essa é, em essência, a missão de um Plano Diretor: apontar caminhos para o desenvolvimento urbano, definindo onde se pode construir, o que se pode fazer e como isso deve ser feito. Mas em Ponta Grossa, um dos municípios que mais crescem no Paraná, o Plano Diretor, aprovado na legislatura anterior, tem se mostrado menos um guia e mais uma barreira. Em vez de atrair investimentos, ele tem espantado. Em vez de facilitar, tem travado.


E os efeitos disso não estão restritos aos gabinetes da Prefeitura ou aos escritórios de engenharia. Eles batem diretamente na porta da economia, dos empregos e da competitividade da cidade.


Para compreender esse cenário, é importante entender como chegamos até aqui. A revisão do Plano Diretor começou em 2019, quando a Prefeitura contratou uma empresa especializada para elaborar uma nova proposta. O processo se arrastou, tendo sido o projeto final protocolado na Câmara e aprovado apenas em julho de 2022, na forma da Lei nº 14.305/2022. Ou seja, entre a intenção de atualizar o planejamento da cidade e sua efetiva entrada em vigor, houve uma longa travessia que já revelava sinais de desconexão com o ritmo do desenvolvimento urbano.


O setor da construção civil foi um dos que mais sentiram os impactos do atual Plano Diretor. Mas por que isso importa tanto? Porque a construção civil é, em muitos aspectos, o termômetro da confiança do investidor. Se construtores desistem, é sinal de que a cidade está se tornando uma aposta arriscada. E ninguém coloca milhões de reais em risco em um lugar que não inspira previsibilidade.


Vamos traduzir isso em números. O custo de construir um metro quadrado de um prédio hoje em Ponta Grossa gira em torno de R$ 2.460, o mesmo valor médio de outras cidades do Paraná. No entanto, enquanto no litoral paranaense, por exemplo, esse metro quadrado pode ser vendido por até R$ 9.500, aqui muitas vezes ele não chega a R$ 4.000.


A conta é simples e cruel: para lucrar o mesmo que lucraria no litoral, o construtor precisa vender o dobro de metros quadrados em Ponta Grossa. Isso significa mais risco, mais financiamento, mais tempo, mais esforço. É um ponto de equilíbrio que, cada vez mais, deixa de equilibrar.


E há um aspecto importante que muita gente esquece: quando o construtor atinge o ponto de equilíbrio, ou seja, quando cobre os custos da obra com parte das unidades vendidas, ele ainda tem um trunfo em mãos: os imóveis restantes. Diferente de outros setores, na construção civil o que sobra em “estoque” pode se transformar em patrimônio e gerar renda contínua com aluguel. É o que muitos investidores fazem: vendem parte dos apartamentos, cobrem o investimento, e alugam os demais, transformando o empreendimento em fonte de dividendos.
Mas para que isso aconteça, o ponto de equilíbrio precisa ser alcançado rapidamente, e com margem. Em cidades onde o metro quadrado vale mais, isso acontece com menos esforço.


E é exatamente aí que a cidade perde sua atratividade. Não apenas para quem constrói, mas para todo o cluster que gira em torno da construção.


Um exemplo prático, e recorrente, desse problema é a exigência de recuos obrigatórios, que da maneira como está impacta duplamente o potencial dos empreendimentos. Quando o Plano Diretor exige grandes recuos frontais, laterais e de fundo, o espaço útil do terreno é reduzido de forma significativa. Menos área utilizável no solo significa menos apartamentos por pavimento. Mas o impacto não para aí: com menos área para construir no térreo, o construtor precisa distribuir o mesmo número de vagas de garagem em mais pavimentos, o que consome ainda mais altura e espaço do prédio, muitas vezes comprometendo o número total de unidades ou exigindo adaptações que tornam o projeto menos rentável.


O recuo, quando mal calibrado, não é apenas um detalhe urbanístico, é um fator que altera toda a equação do investimento. E por isso mesmo, precisa ser revisto com inteligência. Em zonas centrais, mistas ou com infraestrutura consolidada, regras mais flexíveis de recuo podem permitir melhor aproveitamento do terreno sem prejuízo ao entorno, promovendo uma ocupação urbana mais racional e economicamente viável.


Historicamente, Ponta Grossa adotou um modelo de urbanização marcadamente horizontal, com expansão periférica, tanto em conjuntos habitacionais populares como com diversos condomínios horizontais mais abastados. Esse padrão, além de pressionar os custos de infraestrutura pública, como pavimentação, redes de água, esgoto e iluminação, também aumenta a distância entre moradia, trabalho e serviços, reforçando a dependência do transporte individual. Em um cenário de crescimento acelerado da cidade, como o que vivemos hoje, essa lógica urbana se mostra cada vez menos sustentável. Por isso, a verticalização planejada surge não apenas como uma oportunidade, mas como uma necessidade. Adensar com inteligência as áreas bem servidas de infraestrutura é uma forma de ocupar melhor o solo urbano, garantir eficiência no uso dos recursos públicos e permitir que mais pessoas morem próximas aos polos de emprego e serviços.
Quando uma obra começa, ela movimenta muito mais do que cimento e tijolo. Ela aciona uma cadeia de dezenas de setores: engenheiros, arquitetos, eletricistas, pintores, decoradores, cartórios, imobiliárias, lojas de materiais de construção, financeiras, bancos, seguradoras, transportadoras e por aí vai. Uma construção ativa empregos formais e informais, do alto escalão técnico ao trabalhador da diária.
Esse fenômeno é conhecido como cluster econômico, e a construção civil é um dos mais robustos que uma cidade pode ter. Travar a construção não é só travar o investidor. É travar empregos. É esfriar o comércio. É desacelerar o setor de serviços. E este, por sinal, é o setor que mais contribui para o PIB de Ponta Grossa, representando cerca de 39,4% da economia local, seguido de perto pela indústria (38,8%), da qual a construção civil faz parte.


Ponta Grossa vive hoje um momento único de expansão industrial. Grandes empresas como Nissin Foods e XBRI Pneus estão se instalando aqui, com investimentos bilionários. Outras, já consolidadas, como Heineken, DAF Caminhões e Continental, seguem ampliando suas plantas, incorporando novas linhas de produção e gerando empregos em larga escala.
Esse movimento industrial traz consigo um desafio urgente: essas pessoas que estão chegando para trabalhar precisam de um lugar para viver. Cada novo turno contratado, cada engenheiro transferido, cada técnico que migra para Ponta Grossa significa uma nova família em busca de moradia, escola, supermercado e acesso aos serviços urbanos.
Se esse crescimento populacional não vier acompanhado de oferta habitacional adequada, a qualidade de vida urbana será a primeira a sofrer.


Se o Plano Diretor dificulta a construção habitacional, como vem acontecendo, o que ocorre é justamente o oposto do que se espera: indústrias chegam, mas a cidade não se prepara para acolher as pessoas que elas trazem. E o resultado é desequilíbrio urbano, especulação, ocupações urbanas desordenadas, trânsito mais denso e maior pressão sobre o transporte público.
A criação do curso de Arquitetura e Urbanismo pela UEPG, agora em 2025, é um sinal claro de que a cidade já entendeu a importância do planejamento urbano qualificado. A formação de novos profissionais capacitados para pensar, projetar e transformar a cidade a partir de critérios técnicos é uma resposta ao próprio crescimento de Ponta Grossa.


Mas de que adianta formar arquitetos e urbanistas se o plano que orienta o território está desatualizado, desalinhado com as demandas reais da cidade e hostil à inovação e à expansão urbana sustentável?
Esse novo curso, que nasce da escuta da sociedade e da demanda regional, mostra que a cidade está disposta a pensar o futuro. Cabe ao Plano Diretor deixar de ser obstáculo e tornar-se ponte.


Esse processo passa, necessariamente, pela revisão do zoneamento urbano, instrumento que define os usos e as intensidades possíveis de ocupação em cada parte da cidade. Hoje, muitos terrenos em regiões bem localizadas permanecem subaproveitados devido aos atuais critérios, ou criando vazios urbanos devido a restrições de altura, recuos, ou limitações de uso. Rever o zoneamento à luz da realidade atual, com base em critérios técnicos e sociais, é condição indispensável para permitir que a cidade cresça para dentro, e não apenas para os lados. Isso não significa eliminar regras, elas são necessárias e bem-vindas, mas adaptá-las para que o desenvolvimento urbano seja viável, coerente e socialmente equilibrado. Um plano que restringe demais onde mais se precisa construir acaba, ironicamente, empurrando a população para áreas periféricas, de modo horizontal, tornando principalmente o custo público cada vez mais oneroso, o oposto do que se espera de um bom Plano Diretor.


Ponta Grossa não precisa escolher entre ordem urbana e crescimento econômico. Ela pode e deve buscar os dois. O que não pode é manter um Plano Diretor que afugenta investidores, travando justamente os setores que mais geram emprego, arrecadação e desenvolvimento.
O crescimento já está acontecendo. A cidade já se movimenta. A universidade já forma. As empresas já investem. Só falta o Plano acompanhar.


Se não o fizer, Ponta Grossa corre o risco de tornar-se exemplo não de uma cidade que planejou seu futuro, mas de uma que deixou o futuro bater à porta e não abriu.

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