A Câmara dos Deputados está analisando um projeto que pode revogar a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que estabelece diretrizes para o aborto legal em casos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A proposta, que já tramita em regime de urgência, tem gerado debates acalorados e preocupações entre defensores dos direitos da infância.
O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, relatado pelo deputado federal Luiz Gastão (PSD-CE), recebeu parecer favorável nas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família e de Constituição e Justiça e Cidadania. Gastão argumenta que menores de 16 anos não possuem autonomia para decidir sobre o aborto, defendendo a exigência de boletim de ocorrência ou autorização judicial para a realização do procedimento.
“A dispensa de autorização judicial, a meu ver, constitui afronta ao direito de acesso do nascituro ao Poder Judiciário”, declarou o relator em seu parecer. A proposta também critica a resolução do Conanda por não estabelecer um limite de tempo para a realização do aborto, o que, segundo o relator, poderia permitir a interrupção da gravidez em estágios avançados.
A resolução do Conanda, em vigor, prevê que o tempo de gestação não deve ser um impedimento para o aborto, que deve ser realizado sem a necessidade de comunicação ao conselho tutelar. A norma também determina que as equipes de saúde sigam parâmetros internacionais e evidências científicas para garantir a segurança da vítima durante o procedimento.
Enquanto isso, a campanha Criança Não é Mãe alerta que o PDL 03/2025 representa um grave retrocesso na proteção da infância, ao retirar a única normativa que assegura um fluxo claro e humanizado de atendimento para crianças estupradas. A organização ressalta que os protocolos da resolução já são aplicados em diversos países e priorizam o cuidado com as vítimas.
Dados da Associação de Obstetrícia de Rondônia revelam que, em 2023, cerca de 14 mil meninas entre 10 e 14 anos tiveram filhos no Brasil, enquanto apenas 154 tiveram acesso ao aborto legal. Um estudo da Fiocruz Bahia aponta que a maioria dos estupros cometidos entre 2015 e 2019 teve como vítimas meninas nessa faixa etária, sendo que, na maioria dos casos, os agressores eram conhecidos das vítimas. A discussão sobre o projeto reacende o debate sobre os direitos reprodutivos e a proteção das crianças e adolescentes no Brasil.