Saneamento Refém: Fundos Estrangeiros Usam Dinheiro Público para Lucrar com a Água no Brasil

Um estudo revelador expõe como fundos estrangeiros estão se beneficiando de incentivos fiscais e crédito público para dominar o setor de saneamento no Brasil. A pesquisa, conduzida pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre Responsabilidade Corporativa e Tributária (Cictar) em parceria com o Sindae, revela um desvio alarmante de recursos: bilhões captados via debêntures incentivadas não estão sendo investidos em melhorias na infraestrutura hídrica, mas sim no pagamento de outorgas de concessões.

O levantamento aponta que, dos R$ 38,9 bilhões captados desde 2017 por meio de debêntures incentivadas, R$ 21,1 bilhões foram direcionados para quitar ou refinanciar outorgas, em vez de serem aplicados em obras de saneamento. Essa prática, segundo a pesquisadora Livi Gerbase do Cictar, transformou o incentivo fiscal em um “motor de privatização”, concentrando o controle do mercado nas mãos de grandes empresas.

A Lei 14.801, de 2024, é apontada como um marco nessa distorção, ao permitir que as empresas emissoras de debêntures deduzam os juros pagos do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Essa mudança, que beneficia emissões até 2030 e cobre gastos de até cinco anos retroativos, concede uma vantagem fiscal significativa às empresas, incentivando a captação de recursos para fins especulativos.

Enquanto isso, o país se distancia da universalização do saneamento básico, meta estabelecida pelo Marco Legal do Saneamento. Um estudo recente aponta para um retrocesso no acesso à água, que caiu de 83,6% da população em 2019 para 83,1% em 2023. O tratamento de esgoto, por sua vez, avançou timidamente, passando de 46,3% para 51,8% no mesmo período. “No atual ritmo, só seria em 2070”, alertou a pesquisadora Livi Gerbase, do Cictar, demonstrando a urgência de mudanças.

Fernando Biron, dirigente do Sindae, critica a “manobra” que “socializa o risco e privatiza o lucro”, argumentando que as empresas usam dinheiro público para adquirir o que era público, transferindo a conta para o consumidor e o trabalhador. Ele defende a criação de um fundo nacional de saneamento e o protagonismo dos bancos públicos no crédito de longo prazo, além de denunciar os efeitos negativos das privatizações, como planos de demissão voluntária e precarização do trabalho.

O estudo detalha o caso da BRK, que venceu a concessão da Região Metropolitana de Maceió em 2020 com uma outorga de R$ 2 bilhões. Para isso, a empresa captou R$ 3,75 bilhões em debêntures, sendo R$ 1,95 bilhão com incentivo fiscal. Parte desse montante, classificado como *blue bond* (título azul), foi utilizada para refinanciar a outorga, em vez de ser investida em obras para a população.

A BRK rebate o estudo, alegando que os municípios atendidos pela empresa estão entre os mais bem avaliados do país e que já foram investidos mais de R$ 770 milhões na Região Metropolitana de Maceió. A companhia defende a legalidade das debêntures e atribui o aumento dos juros à alta da Selic. No entanto, o estudo da Cictar e do Sindae recomenda que o governo proíba o uso de debêntures incentivadas para pagar outorgas e que os bancos públicos direcionem recursos diretamente para obras, com transparência e controle social.

A pesquisa também reúne denúncias e sanções registradas em outras regiões do país, como em Tocantins e Blumenau (SC), onde foram apuradas falhas no serviço e descumprimento de metas. Livi Gerbase alerta para o crescente controle estrangeiro do setor, destacando a necessidade de mecanismos de proteção, como a *golden share*, para garantir que a expansão do saneamento atenda ao interesse público. “É financiamento estável e de longo prazo — não marketing financeiro — que tira milhões da vala da desigualdade”, conclui Livi.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br

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