Trump bate, Bolsonaro sorri e o Brasil paga

Na tarde de 9 de julho, entre um cafezinho na Faria Lima e um tapinha nas costas em Brasília, o Brasil foi golpeado em plena consciência, e por ninguém menos que seu maior parceiro comercial do lado de cá do Atlântico. Traição pouca é bobagem. A pancada veio direto de Washington, em papel timbrado da Casa Branca, com brasão dourado e assinatura em caixa alta: Donald J. Trump. O conteúdo não poderia ser mais agressivo. A partir de 1º de agosto, todos os produtos brasileiros serão sobretaxados em 50%. Um tarifaço sem precedentes, não por razões comerciais, mas por vingança política.


A justificativa foi uma carta surreal, ou tragicômica, se quisermos dar algum verniz literário ao vexame. Trump acusa o Brasil de promover uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro. Em pleno exercício da presidência, mas não das suas faculdades mentais, o norte-americano decidiu transformar a política externa dos Estados Unidos em palanque judicial do ex-presidente brasileiro. E o instrumento escolhido para isso foi o mais bruto possível: o porrete tarifário.


Mas a carta é mais do que deselegante. É uma aberração diplomática travestida de documento oficial. Uma chantagem embalada em envelope de Estado. Uma tentativa de extorsão com selo dourado. Um documento que mistura ofensa, delírio e ignorância institucional. Argumentos desconexos, pontuação gritada, dados falsos e exigências típicas de quem confunde democracia com clã. É o tipo de coisa que só ganha forma quando a liturgia de governo é substituída por impulsos de rede social e saudade de palanque.


A reação internacional foi imediata. O jornal The Guardian classificou a carta como destemperada. A Bloomberg falou em intensificação dramática. O New York Times foi direto: Trump está usando tarifas como arma ideológica. Já o Brasil ficou com o prejuízo. O real despencou, os contratos futuros do café dispararam em Nova York e os setores de aço, carnes, soja, suco de laranja e até aviação entraram em pânico. Até porque o Brasil não tem déficit comercial com os Estados Unidos, como Trump alega. Ao contrário, são os norte-americanos que lucram mais nessa balança. Mas como a realidade não se dobra ao roteiro trumpista, a planilha virou papel de latrina. Útil apenas para enxugar a retórica e jogar na privada da conveniência política.


Lula reagiu no mesmo tom. Reuniu a equipe, convocou o Itamaraty e anunciou que haverá reciprocidade. Um grupo técnico foi formado para estudar contramedidas. Entre elas, ações na OMC, mesmo que a Corte de Apelações esteja bloqueada há anos por interferência americana. Ironia pouca é bobagem. Também se fala em redirecionamento de exportações e reestruturação das cadeias comerciais. Não por revanche, mas por sobrevivência.


Mas Lula também foi além do jurídico. Disse com todas as letras que o mundo não quer imperadores. E nesse ponto, ele não falava só de Trump. Falava de todos os que, no Brasil, ainda acham que a soberania nacional deve se curvar ao capricho de aliados internacionais. A fala bateu no espelho.


O mais grave da carta de Trump não é o tom, mas o conteúdo. Ele exige que o presidente brasileiro intervenha no Judiciário para interromper processos contra Bolsonaro. O presidente dos Estados Unidos, que vem desmontando os freios e contrapesos da democracia americana, agora exige que o Executivo brasileiro faça o mesmo aqui. Talvez ache que Lula governa como ele gostaria de governar, com a caneta de um e o silêncio dos outros. É um pedido tão ofensivo quanto delirante. E expõe não só o autoritarismo de quem o escreve, mas o servilismo dos que o aplaudem. Meu finado pai já dizia que quem se abaixa demais acaba mostrando as nádegas.


A resposta institucional veio também do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso. Ele não subiu o tom. Não gritou. Não xingou. Limitou-se a lembrar que no Brasil não há perseguição política, apenas aplicação da lei. Que os processos contra Bolsonaro seguem o devido processo legal. E que o STF não está censurando ninguém, apenas responsabilizando plataformas que serviram de abrigo para tentativas de golpe. Trump grita, Barroso recita Constituição. O contraste é tão gritante que chega a ser cômico.


O ministro ainda fez questão de apontar que o Brasil é uma República de Poderes independentes. Ou seja, o presidente da República não pode interferir no Judiciário. A frase foi sóbria, necessária, e inútil para quem acredita que Estado é quintal e juiz é funcionário. A carta de Trump, nesse contexto, soa como insulto diplomático e provocação institucional. Um atentado à lógica dos sistemas democráticos, mesmo vindo de quem já desmontou os próprios freios.


No campo bolsonarista, o constrangimento foi visível. Afinal, como exaltar o aliado que impôs sanção ao país? Como gritar “Brasil acima de tudo” com os joelhos da subserviência fincados no gramado da Casa Branca? A saída foi a de sempre. Culpar Lula. Disseram que foi erro diplomático, que o governo falhou na articulação com os Estados Unidos. Como se a decisão de Trump tivesse sido motivada por tecnicalidade e não por servidão ideológica ao bolsonarismo.


A verdade, no entanto, é incômoda demais. Trump atacou o Brasil para defender Bolsonaro. E parte da direita brasileira aplaudiu, mesmo quando o golpe atinge empregos, renda e soberania. Há quem prefira ver o país sangrar desde que Lula também sangre junto. E chamam isso de patriotismo.


No mundo real, aquele que não cabe em tweet, a bomba já começa a explodir. O preço do café subiu 3,5% nos Estados Unidos. A carne brasileira será encarecida ou substituída. As cadeias de alumínio, aço, suco de laranja, aviação e agro sentem a lâmina da tarifa se aproximar. A CNI alertou para demissões em massa. Economistas falam em retração do PIB. E tudo isso por quê? Por causa de um gesto desesperado de lealdade a um aliado ultradireitista. Não é a economia, estúpido. É a ideologia, cega, bruta e desonesta.


A jornalista Míriam Leitão foi cirúrgica. O tiro contra o Brasil vai atingir a própria direita brasileira. Não apenas porque a economia afunda, mas porque quem trouxe o fósforo não pode fingir que não viu o incêndio. Foram eles que inflaram o culto, gritaram por Trump, celebraram a vitória e depois aplaudiram o porrete. Agora, terão que explicar para o produtor rural porque o container está parado. Para o operário da metalúrgica porque o turno foi cortado. Para o país, porque sorriram enquanto ele era punido.


Quem vestiu o boné de Trump, agora, terá que explicar o rombo na balança comercial. O agronegócio não come ideologia. E boné vermelho não tapa rombo de exportação.


O bolsonarismo não é um projeto de país. É um espelho rachado do trumpismo. Um movimento cuja identidade depende da obediência a outro governo. Um populismo de aluguel, vendido em dólar. Uma cópia malfeita com sequelas institucionais profundas.


No fim, restam poucas dúvidas. Trump bateu. Bolsonaro sorriu. E o Brasil pagou. Com moeda, com emprego, com dignidade. Pior do que a retaliação americana é perceber que parte dos brasileiros torce para o próprio fracasso, desde que ele venha com a bandeira certa.
A punição não foi ao governo. Foi ao país. E os que aplaudem esse tipo de humilhação já não podem mais se dizer patriotas. No máximo, devotos estrangeiros com alma terceirizada.

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